Uma Aventura Gelada de Fortaleza – CE até a Antártica em uma Traxx Fly 125
“O Bem-vindo a Punta Arenas era a placa que faltava e, quando ela apareceu, as lágrimas em meu rosto apenas escorriam. O capacete abafava os meus gritos de euforia, de liberdade e de um sentimento de vitória. Pensei: Antártica, estou chegando pronto para você!”
O meu sonho de viajar de moto pelo mundo começou muito cedo, ainda criança, escutando as histórias de meu pai Luiz Façanha sobre suas próprias viagens de carro e de navio pelo Brasil.
Ao pensar em uma viagem dessa dimensão, pilotando desde Fortaleza no Ceará, minha Terra natal, até a Antártica, eu precisava resolver duas questões que eram muito importantes e cruciais para a execução da Expedição. Uma era conseguir pneus para pilotar no gelo Antártico, já que tinham que ser fabricados com pinos de aço. A outra era um trecho da rota que seria a travessia por mar e ainda mais levando uma motocicleta a bordo. Como conseguir uma carona no Navio da Marinha do Brasil que me levasse até a Antártica?
Depois de muitas noites sem dormir, foi através de uma série de acontecimentos e uma boa dose de Fé e de ousadia, história que escrevi em detalhes e que você poderá ler no livro A Viagem Impossível, que consegui montar toda a infraestrutura dessa expedição de moto para que ela pudesse se realizar.
A motocicleta Traxx Fly 125 foi a escolhida para essa missão e a escolha da marca aconteceu por ter sido a primeira empresa a tomar conhecimento do projeto, aceitando o desafio de imediato. Além disso, a guerreira Traxx, como eu a chamava, daria um toque ainda mais desafiador a essa missão, por ser uma moto pequena, de baixa cilindrada e que exigia de mim como piloto estar bem adaptado a ela ao longo da rota.
Após uma média de um ano de planejamento, parti em uma manhã de sol de minha amada Fortaleza-CE em seis de dezembro de 2005, juntamente com a equipe escolhida para a missão, Julião e Kérsia Porto (in memoriam) que estariam me acompanhando no carro de apoio para os registros e produção de matérias da viagem. Como testemunha da partida, somente os lindos e verdes mares bravios da praia de Iracema.
Cortando o Brasil pela BR 116 e rodando uma média de 650 km por dia, vi o melhor e o pior do Brasil enquanto tocava a Traxx Fly percorrendo 9.300 km até chegar ao último destino por terra que era Punta Arenas no Chile.
A volta promocional pelas Concessionárias Traxx em implantação no Nordeste para entrevistas e produção de matérias para o programa Moto Notícias, o qual eu apresentava na época pela TV Diário, me levou ás belas cidades de Mossoró no Rio Grande do Norte, Natal, João Pessoa na Paraíba e Maceió em Alagoas.
Mais a frente, a Chuva, a neblina e as estradas interditadas foram o cardápio completo em Minas Gerais. Essa pilotagem mais desafiadora nesse trecho acabou exatamente quando entrei na BR 251, uma zona de transição que passou de um calor sufocante para uma brisa refrescante com cheiro de mata molhada. Um verdadeiro alívio para minhas narinas empoeiradas e para a minha alma.
De lá, a pausa para o descanso em São José do Rio Preto já em São Paulo foi providencial pois eu havia pilotado 1500 km nos últimos três dias de forma extrema e também, de lá, seguiria rumo a proa Sul para Maringá e Foz do Iguaçu no Paraná.
Saindo do Brasil, a burocracia da Alfândega Argentina demorou um pouco mas logo atravessamos as filas e o coração acelerou pois o destino final por Terra estava próximo. Nesse trecho, acelerei pela RN 14 que estava bem sinalizada e conservada e seguimos para a Província de Corrientes. Na estrada, infinitos campos de girassóis para somar a todas as belezas que eu já havia assistido ao longo dessa jornada. Rumo à Concórdia, as mudanças no tempo não demoraram a aparecer, onde eu e a Traxx Fly enfrentamos primeiro densa neblina, chuva, frio e os fortes ventos que nos balançavam de um lado para o outro. Isso só fortaleceu em mim a chama da aventura, movido pelas forças do desafio e da paixão pelas viagens ao redor do mundo.
No rumo sempre da proa Sul, chegamos a Bahia Blanca onde dormi sonhando com a esperada entrada na Patagônia. Nesse trecho, cruzei com muitos viajantes motociclistas a caminho de Ushuaia, cada um seguindo os seus sonhos e suas aventuras. Sinalizávamos uns para os outros compartilhando desse sentimento comum.
Antes de chegar à Caleta Olivia, a RN 3 deu-me um grande presente como se fosse uma recompensa por tantas declarações de amor à Patagônia. Um trecho com muitas curvas para eu me divertir e quebrar o enfado de pilotar nas retas intermináveis. Tudo isso com um visual deslumbrante do Atlântico Sul à minha esquerda e que estava revolto devido aos fortes ventos. Paramos em Rio Gallegos, fiz as contas em meu mapa de papel e estávamos próximos do famoso estreito de Magalhães. De lá, seriam apenas mais 64 km para entrar no Chile e, para Punta Arenas, o destino final por Terra, mais 260 km.
O Bem-vindo a Punta Arenas era a placa que faltava e quando ela apareceu as lágrimas em meu rosto apenas escorriam e o capacete abafava os meus gritos de euforia, liberdade e o sentimento de vitória por essa etapa ter sido concluida.
No exato momento em que pisei no impávido Napoc H44 Ary Rongel da Marinha do Brasil, fomos muito bem recepcionados pela tripulação e o oficial do dia, tenente Augusto. O ano estava passando, 2006 já ia nascer e o Reveillon foi comemorado ali mesmo, em clima de descontração e de camaradagem. Vi alguns fogos de artifícios pelo lado de fora e curti aquele momento especial e com o coração pronto para a segunda etapa que estaria por vir. O Gigante Vermelho zarparia no dia 02 de janeiro de 2006.
Ao longo da travessia, passaríamos pela zona de convergência Antártica e o temido Drake, onde as águas quentes e frias dos dois oceanos se encontram, causando tempestades e mares revoltos. A vida a bordo naqueles dias foram de tremendo impacto e auto superação, como se eu estivesse em outro mundo. Foi também de muito aprendizado com a tripulação sobre convivência pacífica, foco, disciplina, coragem, navegação e meteorologia com os pesquisadores.
Chegamos ao ponto de Desembarque precisamente em 11 de janeiro de 2006. Bati na firme estrutura do Napoc H44 Ary Rongel e falei para eu mesmo: “Obrigado. Antártica, eis-me aqui, estou pronto para o desafio”.
O desembarque na Antártica foi com pura aventura, vestidos em coletes salva-vida, macacão mustang e descendo em cordas para os botes que nos levariam até a Estação Comandante Ferraz. Apos a travessia e já em terra firme, ficamos tomados pela emoção e a beleza contagiante da Antártica. Eu estava imóvel observando aquele lugar que parecia outro mundo, escutando os diferentes sons produzidos pela fauna do lugar e suas variadas espécies de pinguins, e já começando a sentir os efeitos do verão Antártico com 24 horas de sol.
Foram alguns dias de muita adaptação e reconhecimento na Antártica. Precisávamos achar o destino mais seguro para a pilotagem com a guerreira Traxx e o local ideal para que os pneus com garras de aço pudessem tracionar bem no gelo.
Na nossa chegada à base, A moto foi desembarcada pelo pessoal do Arsenal e colocada em um galpão onde ficavam as oficinas de manutenção do Navio. O local era perfeito e foi eu mesmo que preparei a minha guerreira para a pilotagem, equipando com os pneus “Made in Ceará”. A Traxx Fly ficou alta , agressiva e senti confiança na simbiose piloto e motocicleta que havia se firmado ali.
No dia da Pilotagem, a minha guerreira foi colocada em uma caixa de madeira feita na medida pelo mestre Joel, tudo isso para que os pinos não perfurassem o bote Zodiac e a Fly não ficasse se deslocando para as laterais durante a travessia até a Geleira Cracóvia. Ao fundo, o Napoc H44 Ary Rongel assistindo a tudo, liberou do seu convoo um helicóptero esquilo UH 13 passando por cima de nossos botes o que para mim foi como uma verdadeira sinfonia naquele dia memorável. Fechei os olhos, estava um pouco assustado e agradecido à Deus e à Marinha do Brasil. Senti-me também com o Indiana Jones do Gelo em um momento poético rumo ao seu desfecho tão esperado.
Ao nos aproximarmos da geleira Cracóvia, o céu estava cinza, com muitos ventos e a sensação térmica era de 20 graus abaixo de zero. Manobramos os botes para que a atracação fosse segura para todos. A motocicleta foi desembarcada e precisei percorrer o atoleiro polar por cerca de cinquenta metros até a base do Glaciar Wanda. Foi como seu eu tivesse chegado em outro planeta.
Nesse lugar inóspido e de terreno irregular, o piso era rígido e a equipe realizou as devidas marcações em um perímetro de segurança para realizar a pilotagem e fugir nas temidas fissuras no gelo, que poderiam ceder ao meu peso e da moto.
Ao som do helicóptero sobrevoando e na companhia do frio e do vento Antártico, recebi o sinal oficial e eu fui, confiando que a minha guerreira iria dar conta do recado. Os pinos de aço entraram no gelo rasgando e tracionando, onde nesse primeiro momento eu fiz o reconhecimento e fui bem devagar para ter a certeza de que moto estava em em minhas mãos.
Finalmente havia chegado o momento então acelerei a Traxx tendo a certeza de que podia executar as manobras, reduzir marchas e fazer curvas. “Graças a Deus eu consegui”, falava enquanto cantava, sorria e chorava dentro do meu capacete. Um filme completo de toda a viagem passou pela minha cabeça bem na minha frente, as estradas intermináveis, as pessoas que conheci ao logo desta aventura, os cheiros, as neblinas, os medos e as alegrias. Lembrei de todos os desafios e de todos os “nãos” impostos por pessoas que foram vencidos e que tive de superar para viver aquele momento surreal.
A missão havia sido concluida com sucesso e pude gritar oficialmente “Bravo Zulu!”. A Viagem Impossível tinha acabado de acontecer.
Viver a experiência dessa grande Expedição me fez entender que podemos ir muito além do que um dia imaginamos. Que nossos dias precisam ser vividos em plenitude e que cada pessoa precisa encontrar a sua Antártica, tomando-a como fonte de motivação para viver. Permanecer em movimento com uma boa dose de Ousadia, Fé e Coragem, fazendo algo todos os dias pelo seu maior sonho.