Expedição Alaska – Canadá – EUA: uma estrada com muito frio, chuva e paisagens inesquecíveis
“O clima do Alaska e, em boa parte do Canadá, foi cruel comigo pois só fui ver o sol e sentir calor já quase entrando na Califórnia, a cerca de 1000 km de San Francisco, o meu destino final”.
No começo das minhas expedições em 1993 o que mais me marcava eram os lugares e as paisagens dos locais distantes por onde passei. Nesta última, o que mais me marcou foram as pessoas com quem interagi e isso representa uma mudança. Essa parte me surpreendeu.
Penso que o termo viajar de moto, na realidade, não se aplica quando se desloca de um lugar a outro utilizando a motocicleta como meio de transporte. Viajar de carro, de caminhão, ônibus ou avião tudo bem, na moto é muito mais. Você não vê apenas a paisagem, você se torna parte dela, ainda mais devido à simbiose entre o corpo do piloto e a moto, dois que se tornam um. É como se o coração fosse para o motor, o cérebro para o painel e os pés para os pneus. Parece loucura para um leigo mas pergunte a um piloto de moto e ele vai tentar te explicar. Se não conseguir, ele certamente vai entender o que estou falando.
Ao concluir a última etapa da expedição do Alaska para a Antártica de moto, indo de Anchorage no Alaska até San Francisco na Califórnia, senti uma alegria enorme e um sentimento de realização não só como piloto mas como ser humano. Uma realização pessoal, compartilhada com todos os Motociclistas do Brasil.
Uma expedição de moto não começa exatamente no dia que você sobe na moto e começa a realmente pilotar, é um processo, uma verdadeira gestação. Começa como um sonho bom, depois se escolhe o lugar, a rota, o tempo, busca de patrocinadores então, como uma criança que se encaixa antes do parto, tudo se alinha e nesse momento ela acontece.
Ir de Anchorage Alaska USA, passando por toda a costa Oeste do Canadá e por mais três Estados Americanos totalizando 5.200 km foi muito desafiador e muitas vezes intimidador, ao mesmo tempo que foi uma pilotagem saborosa tipo comer um prato quando se está com muita fome. Quando percebi depois de uns 4 dias de pilotagem, já quase na metade do percurso que a cada metro a expedição se aproximava do final, confesso que fiquei melancólico, tipo “puxa vida vai acabar que pena”.
O clima do Alaska e em boa parte do Canadá foi cruel comigo pois só fui ver sol e sentir calor já quase entrando na Califórnia a cerca de 1000 km de San Francisco, o meu destino final. No primeiro e no segundo dia quando sai do Alaska e entrei no Canadá pelo Território do Yukon peguei clima top sem chuva e nem frio, como todo bom Cearense disse para eu mesmo ‘’ égua isso está fácil demais até entediante ‘’ mal sabia eu que em breve o clima iria se manifestar com todo a sua ira e crueldade e mostrar quem realmente era o Senhor, o Chefe que estava no controle.
Pois então, a espera não tardou e chuvas torrenciais, frio de congelar até os ossos, avalanches, estradas em manutenção sem asfalto e animais, muitos animais começaram a dar o ar da graça. Graças a Deus não encontrei nenhum urso, mas o resto da fauna compareceu. Teve um momento em que ao sair de uma curva dei de cara com uma manada de Alces dos dois lados da via. Acostumado a lidar com Jumentos e outros bichos, acelerei a moto, buzinei e eles abriram uma brecha, onde passei.
A costa Oeste da América do Norte é composta de paisagens de beleza impar que ficarão guardadas na minha memória para sempre, assim como tantas outras que já tive a oportunidade de ver.
Depois de cruzar os estados de Washington e Oregon, entrei na Califórnia pela cidade de Yreka, a cerca de 490 km de San Francisco, o que foi a cereja do bolo e o meu destino final pois foi de lá onde começou a primeira etapa da expedição do Alaska para a Antártica. Yreka é um cidade muito pequena, plana e muito bem planejada.
Ao entrar na cidade a procura de um Hotel, confesso que o critério de escolha não foi pela aparência embora se revelasse ser muito bom, mas sim o que tinha bem em frente: um restaurante Mexicano, o Familia Ramos. Fiz o check in, tomei um banho, coloquei uma roupa confortável, sandálias japonesas, liguei o ar condicionado e corri para lá. Me senti como uma criança em uma fábrica de chocolates, pedi um Burrito de camarão com uma porção extra do meu crustáceo favorito. Estava muito bom e deu aquele sono.
No outro dia, já relaxado e há apenas 490 km de “Frisco” (como se fala San Francisco por lá) decidi esticar a estadia. Senti um pouco da síndrome do ‘’ puxa vida está acabando, que pena’’, onde fiz lavandeira, cuidei da moto, passeei a pé pela cidade, abasteci a moto e fui dormir. Nessa noite, antes de adormecer, toda a minha vida de piloto passou pela minha cabeça.
Desde o tempo de criança quando sonhava em viajar e imaginava o meu carrinho de rolamentos ser uma moto. Lembrei também dos países por onde passei e as pessoas que encontrei. Eu estava preste a chegar no meu ponto de partida e fechar as duas pontas das Américas e passar do limite Sul e ter ido até a Antártica.
Quantas bênçãos Deus me deu, eu estava lá com os meus 57 anos, pinos e cicatrizes mas o coração que batia naquele momento era do garoto sonhador, sonho realizado após 50 anos. Penso que quando o coração do homem deixa de sonhar é porque a alma já começou a morrer. Agradeci a Deus mais uma vez, entendi que tinha chegado naquele ponto somente graças a ele e não tinha nada haver com a minha pilotagem.
Sorri fisicamente dentro de minha alma. Os carros e caminhões estavam na Estrada mas, para mim, não existia nada na minha frente, somente acelerava como se houvesse um grande imã me puxando para San Francisco. A partir desse momento, as placas começaram a aparecer, “150, 100, 50, 30, 20, 10”… e a Bay Brigde apareceu e me recebeu como um tapete vermelho de boas vindas. Entrei por voltas das 14:30 e a cidade pulsava de beleza ímpar.
O último dia da expedição amanheceu com um sol Californiano lindo e céu azul. Eu estava radiante, eufórico, rindo para as paredes e, então, acendeu a luz da prudência que os anos de pilotagem me ensinaram. Muito cuidado com o começo e, principalmente, o final de uma expedição de moto. A pressa, a ansiedade em chegar e terminar pode causar falta de concentração e estragar tudo. Como eu mesmo digo nas minhas palestras “moto se pilota metro a metro” portanto, antes de larger, parei um pouco e alinhei os pensamentos.
Sempre pergunto às pessoas que fazem longas viagens: “você encontrou o que procurava”? Aos que pensam antes de responder, assumo que a viagem não valeu a pena. Se você ficou curioso para saber se eu encontrei, a resposta é SIM.
A placa da Motocicleta Kawasaki KLR 650 que viajou comigo desde Anchorage no Alaska até San Francisco na Califórnia.
Clique abaixo e descubra tudo o que eu vivi pilotando por toda a extensão da BR 116, partindo de Fortaleza no Ceará até Jaguarão no Rio Grande do Sul.