“Chegando em Machu Picchu o dia parecia ter sido encomendado. Nublado, bucólico e uma trilha sonora de Andrea Bocelli ao fundo. O meu momento de auto exílio e de encontro com a própria identidade estava acontecendo.”
Nos anos 90 Machu Picchu e a famosa Trilha dos Incas estavam em evidência. Esotéricos afirmavam que o lugar era obra de extraterrestres e romantizavam a respeito, como uma espécie de civilização muito adiantada para a época. Os historiadores discordavam e eu era um viciado em história, geografia e, principalmente, motocicletas. Então, na virada de 1999 para 2000, tomei uma das melhores decisões da minha vida e a que paguei mais cara a princípio: sair de um emprego considerado como “normal” e viver profissionalmente do motociclismo.
Fiz um projeto convincente e empresas locais de Fortaleza apoiaram, onde a concessionária Fort Motos Honda patrocinou com uma NX 4 Falcon. Sabia onde o “bicho iria pegar” saudades dos dois filhos e, assim, no dia 13 de fevereiro os vi pelo retrovisor na carreata/motociata de despedida que amigos e familiares fizeram para acompanhar a minha partida. A rota estava feita com um ano de antecedência pelo litoral até Aracaju e, de lá, faria a conversão em Feira de Santana Bahia, rumo ao centro do Brasil e depois para o Oeste.
O primeiro dia de pilotagem terminou em Mossoró, Rio Grande do Norte. Pouco quilômetros rodados, mas foi providencial esse trecho curto, pois não havia dormido a noite que antecedeu a partida, ligado com a ansiedade da largada. Me hospedei no hotel Termas e as piscinas com águas calientes me relaxaram. Havia um campo gramado perto delas, onde decidi me deitar um pouco para esticar o esqueleto e adormeci. Acordei umas três horas depois e fui para o quarto. No outro dia, bem eufórico, senti que eu e a moto éramos uma só pessoa, uma verdadeira simbiose completa. Seria a melhor amiga, confidente e fiel nesta viagem.
Natal veio em seguida, atendi a compromissos promocionais e dormi próximo ao mar lindo que só perde em beleza para os verdes mares bravios da minha terra, o Ceará. Logo em seguida Recife, uma velha conhecida, onde o meu pai viveu na juventude e sempre íamos juntos nas viagens de férias.
Esse trecho do Rio Grande do Norte até a Capital Pernambucana, me reservou uma surpresa bem desagradável. Um encontro que tentei evitar, mas o danado do cachorro realmente estava naquele dia tentando o suicídio. Tentei desviar, mas ele parecia um imã e foi na trajetória da moto. Quando percebi que não haveria como evitar, mirei bem no meio dele e passei. Segui o caminho lamentando o ocorrido e, quando cheguei no hotel em Boa Viagem, os funcionários me perguntaram se eu havia me envolvido em um acidente, pois a moto estava cheia de pêlos e a calça com manchas de sangue. Expliquei o que tinha ocorrido e um deles falou com puro humor nordestino “de repente esse cachorro descobriu que tinha casado com uma cadela”. Rimos bastante e fui descansar.
Maceió foi de breve passagem, pois iria ficar na casa de parentes em Aracaju e iniciar a minha guinada para o centro do Brasil. Depois de 2 dias, rumei para Feira de Santana na Bahia e, de lá, em sequência para Brasília, Cuiabá, Porto Velho e Rio Branco. Na Capital do Acre, outra parada mais longa para descansar, revisar a moto rumo a Assis Brasil, na fronteira tríplice com o Peru e a Bolívia. No auge do inverno, este foi o trecho mais difícil e cheguei a cair 17 vezes, mas não me machuquei. Era como cair em um colchão de lama.
Cruzei para o Peru com a ajuda de amigos do “Danceteria Fronteira” em Assis. Eles conseguiram duas voadeiras, amarraram uma na outra e passamos eu e a moto pelas águas escuras e revoltas do rio Acre. Do outro lado estava Inapari, Peru. Ali estrada não havia e sim lama, muita lama. Já estava batizado e não me importei mais.
Dentro do Peru foi em Puerto Maldonado onde pude desfrutar da solidariedade motociclística internacional. Fui recebido por um irmão das duas rodas que me hospedou no hotel da família e me acolheu, junto com sua mãe, como um novo membro da família. Os relatos que chegavam eram de que o trecho entre Puerto Maldonado e Cusco estava intransponível devido às chuvas e também avalanches.
Depois de alguns dias esperando a situação melhorar, decidi escutar os conselhos locais e pegar um avião para Cusco, onde de lá pegaria um trem para chegar a Machu Picchu.
A viagem de trem foi uma aventura a parte. No vagão que peguei ia gente, carga e animais. Tudo muito familiar para um Cearense, mas completamente diferente para gringos, pois podia perceber a cara que eles faziam. Olhei para um e disse “Bem-vindo ao terceiro mundo! Por essas bandas é assim, mas relaxe que no final tudo dá certo”.
Chegando em Machu Picchu o dia parecia que havia sido encomendado. Nublado, meio bucólico e com trilha sonora de Andrea Bocelli. Um momento inesquecível. Lá, tomei um café e me afastei das pessoas para ter um momento “eu mais eu”. Euforia dominada por ter atingido o objetivo.
Caminhei por algumas horas pelas ruínas, passei a mão nas paredes, prazer na alma. Essa sensação de realização pessoal não tem preço, tudo vale a pena, cada lágrima, suor, cansaço, solidão e, principalmente, o exílio pessoal. Nessa jornada, conversei muito comigo mesmo e fiz o meu projeto de vida.
Olhei para o mapa e disse “Poxa, como Fortaleza está longe”. Com calma, iniciei o caminho de volta, mas a cada quilômetro a vontade de chegar só aumentava. A saudade dos meus dois filhos fazia com que eu corresse e cheguei em Fortaleza no dia primeiro de abril de 2000. O meu filho mais novo olhou pra mim e disse ” pensei que era mentira, sabe que dia é hoje pai? Eu disse “primeiro de abril” e nos abraçamos os três. A única coisa que eles não sabiam é que eu tinha pilotado movido a saudade 1150 km em 13 horas e meia só para vê-los.
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