O Desafio das Três Américas: de San Francisco na Califórnia USA até Fortaleza – CE
“Na fria manhã do dia 28 de fevereiro de 1993, iniciamos a aventura que chamamos de “O Desafio das Três Américas. A famosa ponte Golden Gate Bridge nos dava Adeus enquanto acelerávamos nossas Motocicletas rumo à realização de um sonho”.
Um classificado de jornal. Foi assim que conheci Márcio Oliveira, 35 anos, Engenheiro e Empresário, ambos de Fortaleza-CE. Durante a negociação da compra de um automóvel conversamos sobre motos e Márcio me revelou que havia participado de diversos enduros, entre eles o Cerapió e Piócera (que vai do Ceará ao Piauí, e vice-versa). Falamos sobre um sonho em comum de realizar uma grande viagem com início nos Estados Unidos, cruzando as Américas, até voltar a Fortaleza. O primeiro passo foi definir o trajeto.
Iríamos sair de Fortaleza-CE, nossa cidade, de avião até San Francisco, na Califórnia-EUA, onde compraríamos duas motos, voltando para Fortaleza. Escolhemos a Honda Transalp XLE 600, porque eu tinha grande intimidade com esse modelo, pois pilotei uma por vários anos enquanto morei nos Estados Unidos. Então em 17 de fevereiro de 1993 partimos para San Francisco e no dia 24 do mesmo mês já havíamos comprado as motos.
Na fria manhã do dia 28 de fevereiro iniciamos a aventura que chamamos de “O Desafio das Três Américas”. A famosa ponte Golden Gate nos dava Adeus. Fomos pela auto-estrada US-5, um verdadeiro tapete em seus 900 Kms até San Diego, porém, com trânsito intenso. Após a primeira parada para abastecimento, a minha moto começou a “engasgar”, com problemas de carburação. Levamos a uma concessionária para uma regulagem completa, e o chefe da oficina nos informou que ela não havia sido revisada, contrariando o que nos informaram quando a compramos. Foi a nossa grande decepção na terra do “Tio Sam”. No dia 2 de março, cruzamos a fronteira do México. Um problema comum em quase todas as fronteiras é encontrar sempre um “esperto” querendo faturar alguma propina por fora para “facilitar as coisas”. Não demos espaço para isso e pagamos a taxa de apenas US$ 11.
O choque do contraste entre a riqueza americana e a pobreza do México foi compensado pela beleza do trajeto entre Tijuana e Mexicali, mas o difícil mesmo foi sair de Tijuana, devido ao trânsito muito confuso.
Atravessamos o México em dez longos dias, deixando para trás o encanto da planície de Sonora, as praias de Guaymas e Mazatlan, a famosa cidade de Guadalajara e as ruínas de quase 2.500 anos de Mont Alban. A natureza também foi cruel conosco com muito frio, calor, tempestade de granizo, e, no fim, quase na fronteira com a Guatemala, um grande susto: terremoto em Tapachula. As estradas mexicanas, em sua maioria, são boas, com pedágios bem caros, mas com um excelente serviço de assistência ao usuário chamado “Los Anjos Verdes” .
Em doze de março, cruzamos a “linha”, como é chamada a fronteira entre o México e a Guatemala. A mudança se evidenciou no povo: todos vinham oferecer algo: bebida, comida, despachante aduaneiro para “facilitar” sua vida, troca de dinheiro, indicação de hotel e muitos outros serviços que sua miséria é capaz de Inventar. Após passar por essa loucura, seguimos para a Cidade da Guatemala. A cidade fica no alto de uma montanha, e enfrentamos enormes filas de ônibus e de caminhões, que nos fizeram perder muito tempo. Apesar das dificuldades, o povo era acolhedor, descendentes dos Maias e herdeiros de uma grande cultura. O clima era tenso por causa dos guerrilheiros e a toda hora tínhamos de mostrar nossos documentos para a polícia e o Exército.
El Salvador era nosso próximo destino, onde rodamos tranquilamente os 400 kms adiante. O país ainda guardava as marcas da guerra civil e o medo estava estampado no rosto das pessoas, que fugiam de nós quando íamos pedir informações. Achamos, diante de tudo isso, mais seguro seguir direto para San Miguel onde dormimos e, no dia seguinte, prosseguimos em direção a Honduras. Atravessamos rapidamente Honduras indo para a Nicarágua, e passamos pelo lindo Lago de Manágua, a 450m de altitude. Chegamos na capital, Manágua, já no começo da noite e nos deparamos com uma surpresa. Para um povo que sofreu as agruras da guerra, os Nicaraguenses eram super educados e atenciosos.
À primeira vista a Nicarágua aparentava ter se recuperado bem dos graves problemas sociais e econômicos pelos quais passou. Na próxima parada, a Costa Rica era um oásis de paz na América Central, um país que vive basicamente do turismo e da cana-de-açúcar. O verde das plantações se harmonizava com o mar cristalino. Dormimos em São José, de onde partimos com destino à Cidade Neyle. Foi um dia muito cansativo e, quando chegamos a um trecho conhecido por Cerro de La Muerte (Neblina da Morte), a neblina reduzia a visibilidade a apenas 20 metros, nos obrigando a andar devagar. Com isso, só conseguimos chegar ao nosso destino a noite. A cidade estava às escuras, pois faltava energia elétrica e não havia hotel. Fomos obrigados a dormir nas “cabines”, acomodações em quartinhos de 2×2 m que justificam o nome.
No Panamá sofremos um pouquinho. Chegamos à capital, Cidade do Panamá, na hora do “rush” e o hotel onde ficaríamos era do outro lado da cidade. Aproveitamos o final do dia para visitar o famoso Canal do Panamá e tivemos a sorte de ver o funcionamento das eclusas elevando os navios.
Embarcamos de avião, após despachar as motos para Caracas, capital da Venezuela. Lá, vivemos um dos momentos mais delicados da viagem, pois enfrentamos problemas burocráticos: nossas motos não poderiam ser liberadas sem os trâmites legais de “importação temporária de veículos” que, é claro, demora muitos dias, ou então, pela quantia de US$ 2.000, um funcionário poderia agilizar o processo. Como a sorte está sempre com os aventureiros, conhecemos o João Caldeira, Brasileiro, gerente do hotel onde estávamos hospedados, que conhecia o pessoal da alfândega. Em seis dias conseguimos retirar as motos onde, finalmente, conseguimos colocar as motos de volta na estrada.
Infelizmente não trouxemos boas lembranças de Caracas. A polícia venezuelana não tinha muita imaginação para tentar extorquir dinheiro. Fomos parados por um patrulheiro alegando que, devido a um decreto presidencial, era proibido o trânsito de motos naquela estrada. Sem fazer comentários, apontamos para outras motos que passavam na estrada e o deixamos falando sozinho. Santa Elena era nossa meta. Passamos pelos Parques Nacionais de Porto Ordaz, Caraimas e Grand Sabana. A essa altura, já víamos ao longe o Pico Roraima, e uma certa ansiedade foi tomando conta da gente. Só para variar, os fiscais de fronteira insistiam para que deixássemos “lembranças” como, por exemplo, notas de US$ 5 para sua “coleção” .
Nossa entrada em “casa”, ou seja, no Brasil, foi bem problemática. A bela estrada havia ficado lá atrás, na Venezuela, e o que nos aguardava eram, aproximadamente, 1.000 kms de terra, pedra e lama, até chegar em Boa Vista-Roraima. Mas isso não chegava a nos incomodar. Estávamos no Brasil e isso nos dava uma sensação de segurança. Mas, justamente nesse trajeto, tivemos o único acidente de toda a viagem onde bati em uma pedra e cai danificando muito a moto. Meu joelho ficou bastante machucado. Com força de vontade, seguimos até Boa Vista, deixamos a bagagem no hotel e fomos ao hospital. O quadro clínico foi assustador, uma fissura na rótula do joelho direito e dois dias hospitalizado. Assim, só nos restava a opção de ir até Manaus de caminhão para não prejudicar ainda mais os ferimentos.
Iniciamos ali um dos mais duros trechos de toda a viagem. Foram necessários dois dias para vencer apenas 757 km. Chegamos a ficar atolados e, sem a ajuda de outros caminhões, era impossível seguir adiante. No fim, éramos um comboio de oito caminhões, um atolava, outro voltava, amarrava cabos e puxava. Eram operações extremamente difíceis e cansativas.
Finalmente, após dormirmos no baú do caminhão, devidamente “ensacados nos sacos de dormir”, encharcados de repelentes e vestidos da cabeça aos pés, chegamos a Manaus, AM. Ficamos um pouco em Manaus para as tradicionais “comprinhas” e embarcamos de avião para São Luiz-MA, na madrugada do dia 4 de abril. Assim que chegamos, desencaixotamos as motos (o que foi necessário para a viagem aérea) e partimos para o melhor lugar onde um aventureiro pode ficar: a estrada.
Pegamos muita chuva, mas nesse mesmo dia já estávamos em Teresina-PI, sem surpresas ou imprevistos. No último dia de viagem, os 660 km que nos separavam de casa foram os mais rápidos, mas também os mais “curtidos”, pela ansiedade de rever a família.
Comemoramos com a alma lavada nossa aventura de 12.746 km que durou 51 dias, custou alguns arranhões e deixou milhares de lembranças inesquecíveis. Agradecemos aos nossos patrocinadores: Posto Shopping (Esso), Chacon Foto/Hora, Gráfica Expressão e Grupo Transásia, bem como o apoio dos amigos, pois sem o incentivo e a torcida deles, dificilmente conseguiríamos vencer o “Desafio das Três Américas”.
Saiba Todos os detalhes de minha segunda grande Viagem pelo Mundo, indo de Fortaleza até Machu Picchu de moto – ida e volta.