Explorando a BR 116: De Fortaleza no Ceará até Jaguarão – RS
“Quando comecei a ver as placas de sinalização informando a distância até Jaguarão e que ficava mais perto a cada minuto, fui tomado por um sentimento de tristeza e de alegria. Reduzi a velocidade para poder desfrutar dela ainda mais. A tristeza por ela estar chegando ao fim e a alegria por concluir mais uma expedição. Grato a Deus em primeiro lugar”.
Como sempre acontece nas noites que antecedem as minhas largadas para as expedições de moto, a boa ansiedade não permite uma noite de sono profundo e nem me importo mais com isso já que na primeira noite em rota eu durmo como um bebê.
A manhã do domingo de três de novembro de 2019 amanheceu atipicamente nublada na minha ensolarada Fortaleza. Meu Filho Davi, a minha Nora Radha juntamente com a minha Esposa Glecya me acompanharam até o km zero da BR 116 que fica em um dos acessos rodoviários de Fortaleza, mais precisamente na rotatória/ praça Manuel Dias Branco.
Depois de beijos, abraços e orações, eu e a minha garota inglesa partimos proa Sul. O relógio marcava 06: 00 horas. Acelerei levemente o motor de três cilindros da Tiger, ela meio que implorava para eu enrolar o cabo um pouco mais e o som produzido lembrava uma sinfonia de heavy metal. Eu me senti livre e o Brasil começara a se despir bem diante dos meus olhos.
A minha primeira parada foi no Cariri Cearense na cidade do Crato onde fui recebido pelos irmãos do Kariris Moto Clube e essa foi a única vez que tive que sair da BR 116 em toda a expedição.
Ainda no Cariri, dessa vez em Juazeiro do Norte terra do Padre Cícero, no dia cinco proferi uma palestra sobre segurança no trânsito para os motociclistas da região. Foi uma experiência engrandecedora para mim já que nós motociclistas fazemos parte de uma grande família e compartilhar experiências com outros irmãos é algo que me completa.
No final desse segundo dia de viagem fiz uma analogia em relação a expedição de 2018 quando percorri desde o Alaska até San Francisco na Califórnia USA. Era tudo bem diferente, não havia parâmetros para uma comparação mas apenas um sentimento:que para um motociclista aventureiro não importa o local, as condições adversas de clima ou terreno, o que realmente importa é o sentimento de atingir os objetivos traçados e nos sentirmos cada vez mais livres e senhores dos nossos próprios destinos.
Voltando para a 116 e na proa para Feira de Santana na Bahia, o Nordeste se mostrou de forma latente e contundente. Essa etapa da viagem me levou direto ao epicentro do polígono da maconha pernambucano para a região do Ibó na divisa com a Bahia.
Com a mata da caatinga, a terra seca e desértica e as carcaças de animais margeando a rodovia, lembrei da frase “o nordestino é um forte” e as músicas do Rei do Baião Luiz Gonzaga.
Lá também reencontrei o velho chico que está para nós nordestinos como o Nilo está para os egípcios. Pilotar pelo polígono da maconha é complicado devido ao espaço ser disputado entre quadrilhas e a polícia tentando prender os meliantes.
Ali bem perto parei em um pequeno restaurante e duas senhoras vieram conversar comigo, ofereci água, elas aceitaram eperguntaram se poderiam rezar por mim. Elas impuseram as mãos sobre a minha cabeça e rezaram uma Ave Maria, um Pai Nosso e eu agradeci a Deus e a elas pelo gesto singelo de carinho e preocupação por mim.
Nessas pessoas humildes e simples vi o que o Brasil tem de melhor, o seu povo. Com as bênçãos das duas rezadeiras e uma breve conversa com um PM da Bahia para garantir que o trecho estava tranquilo a frente, segui e fui dormir em Feira de Santana. A pilotagem até Feira exigiu muita cautela e perícia devido ao grande número de caminhões. Cheguei a ultrapassar comboios de até quinze carretas mas os manos da estrada foram camaradas comigo graças a Deus.
No dia seguinte sai da Bahia e entrei em Minas Gerais e de cara a paisagem mudou da mata seca e queimada do nordeste para um verde intenso e vivo. O calor também diminuiu e eu arrochei, indo bater em Divisa Alegre, onde dormi num Hotel á beira da estrada.
O local era movimentadíssimo, pois havia bem em frente um ponto onde os caminhoneiros paravam e contratavam os serviços de algumas moças do tipo “babás de adulto” e o movimento era intenso.
Mais tarde, quando parado no hotel para jantar uns pães de queijos quentes, uma dessas moças se aproximou educadamente e disse:
– A gente não cuida só de caminhoneiros mas de motoqueiros também.
Eu dei uma boa risada e disse:
Muito obrigado, mas vou passar a oportunidade e se quiser comer pão de queijo pode ficar a vontade. Ela pegou alguns, colocou na bolsa e saiu em em direção à beira da estrada entrando no próximo caminhão que parou. A BR 116 nesse ponto me mostrou essa realidade cruel. Acelerando por Minas no dia seguinte, meu destino foi Caratinga.
E a cruzada continuava em direção ao Rio de Janeiro saindo de Minas. O clima mudou e a friagem intensa iria me acompanhar por muitos quilômetros. Por outro lado, a 116 me brindou com beleza de cartão postal na região serrana até Teresópolis. Lá o tempo judiou comigo e teve de tudo um pouco: chuva, neblina, frio e até uma carreta carregada com óleo virada na pista.
Por São Paulo passei acelerado para chegar a Registro onde tive parada estratégica de um dia extra para descansar e me preparar para entrar no Sul do Brasil.
Entrei no Paraná embaixo de muita chuva e neblina densa, passando por Curitiba com muito congestionamento e perdi muito tempo. No trecho do Paraná para Santa Catarina, encontrei um acidente que envolveu três carretas e dois automóveis, infelizmente com vítimas fatais.
Meu pernoite foi em Papanduva. Nessa noite em específico não dormi bem pois fiquei impactado pelo acidente que vi. Mais um lembrete de que a BR 116 exige todo o cuidado possível ao pilotar e que ela não deve ser encarada como uma primeira viagem na vida de um piloto motociclista viajante.
De Papanduva – SC para Jaguarão – RS são 913 km que eu dividi em duas etapas. A primeira parada foi em Dois Irmãos que fica 59 km antes de Porto Alegre.
No último dia para chegar em Jaguarão, comecei a pilotagem ás 05:00 da manhã. Chovia muito e o trânsito próximo a Capital Gaúcha estava caótico. Embora estivesse chovendo, o pessoal não aliviava o pé do acelerador. O trecho foi em ritmo de aventura mesmo e confesso que amei essa pilotagem, além de ter sido muito divertido.
Aproveitei para parar em Vacaria e tomei um litro de suco de uvas já que pilotando não dá para tomar um vinhozinho. Arrochei para Jaguarão, o fim da 116 na fronteira do Brasil com o Uruguai. Com trechos duplicados no Rio Grande, a 116 lembra as modernas estradas de países desenvolvidos do jeito que ela deveria ser desde o KM zero em Fortaleza.
Quando comecei a ver as placas de sinalização informando a distância até Jaguarão e que ficava mais perto a cada minuto, fui tomado por um sentimento de tristeza e alegria. Reduzi a velocidade para poder desfrutar dela ainda mais. A tristeza por ela estar chegando ao fim e a alegria por concluir mais uma expedição. Grato a Deus em primeiro lugar.
A BR 116 termina exatamente numa Ponte sobre o Rio Jaguarão na fronteira com o Uruguai e foi nesse ponto que eu parei a moto para registrar com fotos o final da expedição. Assim que desci da moto e com a adrenalina a mil me deparei com uma placa que dizia assim: “Jaguarão. Aqui começa a BR 116”.
Confesso que fiquei um pouco irritado, mas acredito ter sido devido ao cansaço e a um misto da euforia do momento, ainda mais vendo a placa que mostrava o contrário do ponto em que eu havia começado.
Vinha passando um rapaz, fiz sinal para ele parar e pedi para ele dizer ao prefeito que arrancasse a placa, pois era ali que a BR 116 terminava e não começava.
A noite, no hotel, antes de dormir, dei umas boas e altas gargalhadas me lembrando dessa interação com esse rapaz na ponte. Ele deve ter achado que eu era louco. Mas a verdade é que nós motociclistas viajantes não somos loucos, nós somos é felizes.
Quando se viaja de moto você não vê a paisagem. Você faz parte dela e, percorrendo a 116 do começo ao fim, eu vi o Brasil de uma forma nua e crua.
Um caldeirão pulsante, caótico e, ao mesmo tempo, leve e poético. Voltei ainda mais apaixonado pelo meu País. Para me fazer entender melhor, você pode escutar a música Meu País de Ivan Lins e Vitor Martins.
Descansei dois dias em Jaguarão e depois pilotei mais 1500 km até São Paulo onde entreguei a Tiger, minha inglesinha Triumph, que foi fiel e companheira até o fim desse caldeirão de Brasilidade, sotaques, culinárias e climas, mas em comum a hospitalidade e a simpatia do nosso povo por toda a minha trajetória.
Clique abaixo e se inspire com Expedição pelas Trilhas do Dragão, onde viajei pela China, Tibet e subi até o acampamento base do Monte Everest de Moto.